Certo dia um rei mandou prender o pintor mais famoso
do seu reino. A acusação era simples: o pintor era um mentiroso, porque pintava
um reino que não existia. Talvez tivesse sido esta a acusação de Jesus,
traduzia para uma linguagem mais simples. Jesus, mais do que pintar um reino
impossível, amassou a massa da vida humana com um fermento diferente para todos
os corações. O rei que mandará prender o pintor argumentou que nunca tinha
encontrado em todo o seu território cores tão rubras como aquelas que o pintor
usava nos quadros onde explanava as paisagens do reino. Assim também Pilatos
quando pergunta a Jesus pela verdade, porque nunca encontrara nas paisagens
humanas o reino que este apresentou nas suas palavras e gestos, em todas as
suas vivências.
Há um outro reino a ser edificado e para nós que
estamos a crescer entre tanta violência, começa a ser difícil acreditar nessa
outra possibilidade. Para nós, que fomos formados para construir o reinado do
“eu” com tudo o que é “meu”, parece impossível aceitar o outro que, connosco,
fará o reino do “nós”. Há todo um mundo de violência que grita por mais
violência, segundo a velha máxima: “ódio gera ódio”. O objetivo último do terror
é provocar medo para dividir os corações. Pilatos estava aterrado de medo
diante de Jesus, mas principalmente diante dos Judeus, por isso só conhecia as
soluções da violência. Jesus coloca-se diante de todos os impérios humanos,
políticos, religiosos ou culturais e ideológicos sem medo, Ele nada tem que lhe
possam tirar, porque tudo está pronto a dar, até a própria vida, Ele venceu
todo o medo com o amor. Diante de Jesus, todos os reinos são dados em
julgamento. A sua simplicidade e a Sua humildade fazem dele um homem para estar
ao serviço e não para se servir, um rei que se entrega para não perder nenhum
dos seus, que vai à cruz para não matar. Jesus é em tudo em Rei diferente, que
não falseia nem pinta uma realeza que mais parece um deus para se adorar. Ele
não pinta meramente um quadro, deixa-se amassar, toca a realidade e na
realidade é amassado pelos diversos acontecimentos. Aqui Ele coloca um fermento
novo, o amor. No amor toda a história pode ser amassada e o pão passa a
alimentar a liberdade humana com outra possibilidade. A possibilidade de Jesus
é a da verdade vivida no amor e a de um amor verdadeiro. Em Jesus há um outro
reino, aquele outro do último ser primeiro.
É neste marco geodésico dos poderes humanos que entra
o julgamento de Pilatos: tu és ou não rei? Como se reina sem poder? Ou como é
possível governar com confiança, mas sem ostentação, sem imprimir medo nos
corações? Como se é rei sacrificando-se pelos últimos? Nenhum dos poderes
humanos acredita ser possível um rei assim, porque todos, servindo-se do poder,
idolatram-se, enquanto Jesus faz do serviço um poder que questiona todos os
outros. O verdadeiro poder está na capacidade de se fazer um com os outros,
servindo com amor todos aqueles que os poderes humanos esquecem e condenam à miséria.
Então há que percorrer as estradas poeirentas onde a humana condição se vê
despojada da sua dignidade, fazendo visível a majestade própria de cada pessoa.
Jesus sofre a pobreza de um povo miserável e não foge à necessidade de dar uma
resposta a cada indigente. Ele sai do palácio das verdades humanas, feito de
desculpas e escusas. Só assim, poderá no amor tocar cada um na sua situação e
desafia-lo à vida. Ele próprio faz-se caminho de uma outra possibilidade, da
possibilidade da felicidade na pobreza de espírito, nas lágrimas que choram a
fragilidade das nossas soluções, na paz que se constrói com o perdão, com a
mansidão que abre os corações para que sejam limpos de todos os medos que
impedem a paz de ser o maior hino dos dias a serem vivos por cada um de nós.
Jesus propõe um reino de paz, de quem se sabe amado de verdade e na verdade do
perdão que se dá e que se recebe, amassa a história entre as mãos da liberdade
e da justiça com o fermento do amor.
A condenação do mundo é óbvia, pois não acredita ser
possível viver com verdade. Verdadeiramente, o mundo não vive, não arrisca a
verdade, de se apresentar na varanda dos julgamentos e apresentar-se na sua
debilidade. Pilatos apresenta Jesus: “eis o homem”, pensando que está a exibir
um falso, contudo apenas faz patente a falsidade de todos os poderes que se
autoinstituem como salvadores da justiça e da liberdade. Jesus sempre respeitou
a liberdade de cada um: “que queres que Eu te faça”; “Mestre, que eu veja”. É
verdade Senhor, é isto que Vos peço, que eu veja a justiça acontecer,
fazendo-me menos para que cada um dos meus irmãos se saiba amado e nesse amor
se liberte de tudo o que o aprisiona à miséria de não viver a sua dignidade de
filho muito amado de Deus. Senhor que o vosso reino habite no meu coração e meu
seja o reino que faz do pão o alimento para todos nós.( artpinto)
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