27 de fevereiro de 2010

A transfiguração: «Escutai-o!»


A Transfiguração, vitral do irmão Eric de Taizé

Os cristãos do Oriente foram os primeiros a celebrar a Transfiguração. Esta festa foi introduzida no Ocidente no século XII por um dos abades de Cluny, Pedro, o Venerável. Em Taizé, viver da transfiguração sempre apoiou muito a nossa vocação.
Nos Evangelhos, os relatos da transfiguração procuram mostrar-nos quem é verdadeiramente Jesus e levar-nos a participar no seu mistério.
No cimo do monte, Jesus está em oração, numa grande intimidade com Deus (Lucas 9,28-36). A voz, que no seu baptismo apenas ele tinha ouvido, faz-se agora ouvir aos discípulos: «Este é o meu Filho muito amado». O mistério de Jesus surge em frente aos olhos destes discípulos: a sua vida consiste nesta relação de amor com Deus, seu Pai.
Jesus vive esta relação de amor desde a eternidade, mas também na sua existência terrena. Ela cresce, fortalece-se, nomeadamente através das dificuldades, e vai-se revelando sempre, cada vez mais. Jesus escolhe ter o seu apoio apenas em Deus, e há-de manter esta escolha mesmo na noite mais espessa, quando der a sua vida na cruz.
Não terá sido este abandono radical à confiança que fez brilhar aos olhos dos apóstolos a luz de Deus em Jesus? Moisés e Elias, presentes a seu lado, também tinham sido guiados por essa luz. Contudo, em Jesus, ela brilha de um modo único. Nele, a luz da ressurreição já está acesa. A sua humanidade transfigurada reflecte a plenitude do amor de Deus. Nunca nos cansamos de nos deixar maravilhar por esta eterna beleza.
Através da transfiguração, Jesus não mostra apenas que é habitado pela luz de Deus; ele deixa pressentir que também a nossa humanidade pode ser transfigurada.
De acordo com a segunda carta de Pedro, a transfiguração de Jesus sustenta, na nossa noite, a esperança da nossa própria transformação: «E temos assim mais confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que o dia desponte e a estrela da manhã nasça nos vossos corações» (2 Pedro 1,19).
Quando, na oração, olhamos para a luz de Cristo transfigurado, ela torna-se aos poucos mais interior. Também nós somos o filho bem-amado de Deus. Cada um de nós é amado com um amor de eternidade.
Como Jesus, podemos abandonar-nos em Deus. E, em troca, Deus transfigura a nossa pessoa, corpo, alma e espírito.
Então, até as fragilidades e as imperfeições se tornam numa porta através da qual Deus entra na nossa vida. Os espinhos que dificultam o nosso andar alimentam um fogo que ilumina o caminho. As nossas contradições interiores e os nossos medos permanecem. Mas, pelo Espírito Santo, Cristo penetra naquilo que nos inquieta acerca de nós próprios, até ao ponto em que as nossas obscuridades são iluminadas. A nossa humanidade não é abolida; Deus assume-a, e ela pode encontrar nele como que uma realização. E eis-nos livres; livres de avançar até nos oferecermos a nós próprios àqueles que Deus nos confiou.
Além das nossas pessoas humanas, toda a criação está também prometida a uma transfiguração. Cristo «transfigurará o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de a si mesmo sujeitar todas as coisas» (Filipenses 3,21). Sim, ele «renova todas as coisas» (Apocalipse 21, 5).
«Escutai-o!» diz a voz vinda do céu. Pelo Espírito Santo, ele fala-nos. A nossa atitude para com a vida depende da nossa atenção à sua presença contínua.
Estar à escuta de Deus não nos poupará forçosamente às dificuldades. Se dermos prioridade a esta escuta, talvez até nos tornemos mais vulneráveis. Mas uma determinação interior crescerá, e com ela uma preparação para nos entregarmos mais facilmente ao sopro do Espírito Santo. Estaremos mais capazes de discernir a presença de Deus no mundo e seguiremos mais corajosamente a sua vontade.
Muitas vezes compreendemos pouco como é possível a nossa própria transfiguração. A nossa confiança, como a dos discípulos, continua parcial, e a nossa fé continua pobre. E, contudo, olhar para a luz de Deus já nos transforma.
No monte da transfiguração, é toda a Igreja que está representada em Pedro, Tiago e João. Se também nós ouvíssemos mais frequentemente, em conjunto, numa humilde oração comunitária, a voz de Deus, talvez a compreendêssemos melhor. O Espírito Santo poderia agir melhor e - quem sabe? - poderia até surpreender-nos.


MEDITAÇÃO DO IRMÃO ALOIS
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